Quando nasci, estava morto
Estava sóbrio
Estava sombrio e mórbido
O cio
Estava vazio e sórdido
Solvido em ódio
Dançando no ácido
Soluçando
-
Quando nasci, estava lento
Estava sendo aliciado
Levado pelo vento
Leve
Estava pesado e ardendo
Nas chamas do ressentimento
Rezando no cemitério
Frio e sério
-
Quando nasci, estava perdido
Desvairado na vertigem
À margem do perigo
Escondido
Estava na ponta da agulha
Incinerado no carvão
Indeciso e violado
Incisão
-
Quando nasci, a nuvem chovia
Gotas áridas demais
Para molhar quem já morria
E não sentia
Em imagens oníricas
Impressões sonoras
Suaves e Líricas
Me perdia
-
Eu, que não entendia,
Por que, no escuro, morreu o dia
E, na lucidez que o compunha
Fui morto a dentes e unhas
Eu não lutava
Eu era o luto
-
Antes, haveria de nascer de novo
A matéria que temia não ser a minha
Desentendido do que vinha primeiro
O ovo
Ou a galinha?
-
Na câmara secreta do coração
Dormia um sonho livre e puro
Gabriel guiava os anjos da legião
Guerreiros de luzes ofuscantes
Sucumbindo
No escuro
-
E eu, que me fiz de indiferente
Não era gente
Era o bicho-do-mato das caçadas
Morto
Eu era o rato experimentado
A experiência sexual de mães drogadas
O aborto
Legalizado!
(Fotografia: www.olhares.com)